25 de abril de 2024

Canções de Abril #25

 


No dia 25 de Abril de 1974, quando passavam pouco mais de 20 minutos do 'dia inicial, inteiro e limpo',  os passos de Francisco Fanhais (gravados em França, no exterior do castelo de Herouville) ecoaram no éter.  O Movimento das Forças Armadas (MFA) escolheu a Rádio Renascença para a transmissão da senha de confirmação da operação militar contra o regime. Ao microfone, o locutor Leite de Vasconcelos, autor do programa "Limite", anunciava primeiro os versos:

Grândola, vila morena

terra da fraternidade

o povo é quem mais ordena

dentro de ti, oh cidade 

Nessa noite, a  rádio divulgou duas senhas: a primeira era “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, transmitida pelos Emissores Associados de Lisboa. A segunda seria a música de José Afonso, que a Rádio Renascença tocou. O primeiro sinal destinava-se a preparar as tropas para a saída, e o segundo ao início das operações. 

A canção foi composta em 1971, depois de uma visita de Zeca Afonso à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense de Grândola, no Alentejo. A canção integrou o álbum Cantigas do Maio, dirigido por José Mário Branco, em França.

Há 50 anos, a cantiga era uma arma e a revolução estava na rua.

Viva o 25 de abril. Viva há liberdade!

23 de abril de 2024

Canções de Abril #24



A 8 de março de 1974, Paulo de Carvalho ganha o Festival da Canção com “E Depois do Adeus”, uma canção romântica com música de José Calvário e letra de José Niza. A canção ficará em penúltimo lugar no Festival da Eurovisão, mas ficará para História por outros motivos.

Sete semanas depois é escolhida para 1.ª senha do Golpe de Estado, transmitida pelos Emissores Associados de Lisboa, às 22h55 de 24 de abril, por ser uma canção conhecida e sem conteúdo político, servindo, assim, para dar o sinal de alerta e prontidão sem levantar suspeitas, podendo o golpe ser cancelado se os líderes militares concluíssem que não estavam reunidas as condições para avançar. Não foi o caso. 

A bela canção de amor cumpriu a sua missão.

Intervenções da “oposição” na reunião da “junta” (II)

As intervenções da dita oposição na reunião da “junta”, ontem, roçaram a indigência mental. É difícil dizer qual dos dois esteve pior. Na nulidade não há distinção.  



O dotor Luís, na ausência de melhor assunto, agarrou-se a uma discreta indirecta do dotor Pimpão sobre um assunto do PS, falta de médicos, para retorquir não ao assunto em si, mas para expressar azedume pela suposta limitação da liberdade de expressão manifestada pelo dotor Pimpão. E perguntou pelo estado de uma rotunda prometida. Não vem mal nenhum ao mundo que o dotor Simões não saiba distinguir liberdade de expressão de direito ao contraditório e à crítica – expressão maior da liberdade expressão. Mas é um ultraje à política que um político os perverta. 

A doutora Odete quis conhecer o orçamento das próximas festas do bodo. Falou da coisa com a dotora Gina como duas adolescentes falariam no intervalo para recreio. Pelo que se ouviu (e tem ouvido) nem uma nem outra tem noção nenhuma do que é e para que serve um orçamento. 

Qualquer pessoa com dois neurónios a funcionar, que oiça aquilo, percebe que o dotor Simões não tem noção nenhuma do que é e de como se faz política. E a dotora Odete é um caso ainda pior: em duas décadas de actividade política não aprendeu nada.

Ao pé destes imberbes políticos o dotor Pimpão até parece político. Como gosta muito de festas e eventos e detesta actividades executivas, poderia entregar as reuniões da “junta” à dotora Gina. Ou dispensar, sem perda de senha, os vereadores da oposição; evitando-lhes, assim, a sistemática má-figura. 

Intervenções da "oposição" na reunião da "junta"

 


Canções de Abril #23

 


A 24 de fevereiro de 1969, Simone de Oliveira ganhava o Festival com uma canção que fintou a censura. Versos como "quem faz um filho fá-lo por gosto" foram ouvidos demasiado tarde pelos guardiões da moral e dos bons costumes. A Desfolhada, poema de José Carlos Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, chegaria à Eurovisão com todos os holofotes apontados. De melodia revigorante e lirismo aglutinador, era considerada a melhor letra pelos jornais estrangeiros”. Mas esbarrou num assumido europeísmo anti-Portugal, numa altura em que a guerra em África ia longa e sangrenta.
Na vasta carreira de Simone, a Desfolhada haveria de tornar-se um símbolo, também pelo facto de coroar a maior finta à censura, ombreando apenas com a Tourada, de Fernando Tordo, em 1973. 
Em 1968, um tema de Zeca Afonso tinha sido afastado da competição, o que aliás se tornaria prática recorrente para um leque de artistas incómodos. O título da canção de Zeca Afonso era tão só "Vejam Bem".

Poucos saberão que esta canção não foi escrita para Simone de Oliveira, mas para Elisa Lisboa, uma jovem atriz do Teatro Experimental de Cascais. A poucos dias do  festival, Elisa desistiu, apresentando razões pessoais e um atestado médico, com diagnóstico de 'laringotraqueíte'. E assim se chamou Simone de Oliveira. Depois de vencer o festival, partiu da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, em direcção a Madrid, pela rota ferroviária de duas ditaduras, alimentando grandes expetativas.  Ao longo do percurso, milhares de pessoas acenavam, exibindo cartazes de apoio.
Mas o  enorme sucesso da "Desfolhada" em Portugal não teve o mesmo resultado no Teatro Real de Madrid, palco do Festival Eurovisão de 1969. A canção seria atirada para um penúltimo lugar, apenas com quatro pontos. Para o público nacional, de pouco importou: Simone foi recebida em apoteose, à chegada a Lisboa. Curiosamente, até o Estado Novo lavraria o seu desencanto por "tamanha injustiça à música nacional". Em protesto, Portugal não se faria representar no Festival Eurovisão da Canção do ano seguinte (1970).
A verdade é que, 55 anos volvidos, a canção ainda hoje anda nas bocas do povo.

22 de abril de 2024

Canções de Abril #22


O disco “Venham Mais Cinco” de José Afonso é uma obra prima. Gravado em 1973, todas as suas letras e músicas são da autoria de José Afonso, muitas delas escritas na prisão de Caxias. Os arranjos são de José Mário Branco e conta com a participação de músicos com origens e formações muito diversas. O tempo das baladas de Coimbra já tinha ficado, definitivamente, para trás. O que José Afonso propõe neste disco é de uma inovação e genialidade raramente vistas no Portugal de então.

O tema que dá nome ao álbum foi a primeira escolha do Capitão Santos Coelho para senha do 25 de Abril. Acontece que, já com tudo preparado, descobriu-se que essa música estava proibida pela Rádio Renascença, tendo a escolha alternativa recaído sobre "Grândola, Vila Morena". O resto é história.
 
"Venham Mais Cinco" é uma música icónica do trabalho de José Afonso. Ela expressa, de forma clara, a opção estética do autor, ao recorrer a ritmos de inspiração africana numa música de raiz portuguesa. A letra era, obviamente, muito incómoda para o regime fascista. Aparentemente, o poema refere-se a um conjunto de amigos que pedem mais cinco copos numa taberna. Acontece que, nesse ano, tinham passado cinco anos do início da "Primavera Marcelista", que prometia alterações políticas que nunca chegaram a acontecer. O famoso refrão - “Não me obriguem a vir para a rua gritar, que é já tempo d'embalar a trouxa e zarpar” - era um apelo claro à urgência revolta e um convite ao ditador para partir, o que viria a acontecer quatro meses depois, aquando do golpe militar de 25 de Abril de 1974.  
 
A versão de Ildo Lobo para "Os Tubarões", gravada no memorável concerto "Os Filhos da Madrugada", a 30 de Junho de 1994, no Estádio de Alvalade, constitui uma belíssima homenagem à obra de José Afonso e à vontade que o artista sempre manifestou de colocar em diálogo ritmos africanos e portugueses. É também uma oportunidade para lembrar os cantores africanos que tiverem um papel importante no combate à ditadura, como Ildo Lobo, Ruy Mingas, entre muitos outros.

21 de abril de 2024

Canções de Abril #21


“As Balas” é uma bela e tocante balada de Adriano Correia de Oliveira, com letra de Manuel da Fonseca e arranjos e direcção musical de Fausto Bordalo Dias, do álbum ”Que nunca mais”, de 1975.

A canção tem tanto de magistral como de fraca divulgação. Aborda coisas simples e naturais da vida, colocando-as em contraste com a desgraça da guerra e da morte que marcaram a sociedade portuguesa (e das colónias) durante década e meia - mensagem bem vincada no refrão “As balas deram sangue derramado”.

20 de abril de 2024

Canções de Abril #20

 



Um poema de Sophia de Melo Breyner ganhou vida na voz do então padre Francisco Fanhais, integrando o único álbum que gravou: “Canções da Cidade Nova”, publicado em 1970 com o selo do programa Zip-Zip, da RTP.

Um ano antes, saíra o primeiro registo de Fanhais, um EP editado pela Orfeu com músicas suas a partir de poemas de Sebastião da Gama ou de João Apolinário e ainda um texto bíblico musicado por Pedro Lobo Antunes.

 

Em 1971, impedido de exercer o sacerdócio, Fanhais parte para França, onde participa nesse ano nas gravações do álbum “Cantigas do Maio”, de José Afonso. São também seus os passos que ouvimos em “Grândola, Vila Morena”, captados no exterior dos estúdios do Castelo de Hérouville, onde Zeca grava esse que era já o seu quinto álbum de estúdio. Fora algumas colaborações posteriores, desde logo ao lado de Zeca,  Francisco Fanhais não mais voltaria a gravar em nome próprio. Através da música tornou-se uma das mais ativas vozes dos chamados católicos progressistas que combateram a ditadura de Salazar.

19 de abril de 2024

PS - casa desgraçada, casa gozada

O PS1 e o PS2 finalmente juntaram-se. Para quê, perguntará o caro leitor? Para a diversão, para irem passear em Bruxelas.



A diversão é sempre uma boa ocupação, quando se pode fazê-la. Mas quando se faz a expensas de outros exige-se alguma parcimónia e algum decoro. Coisas que camaradas com aspirações burguesas ignoram e dispensam; porque o que verdadeiramente lhes interessa é aproveitar as mordomias concedidas pelo regime. A coisa tolerava-se, até por caído em rotina, se não tivessem o desplante parodiar o Zé e a Maria – os pagantes da coisa. Mas o que é se pode fazer, há muito que o juízo abandonou aquela casa.

Quando era alvo de interpelações chochas, D. Diogo costumava dizer, com desagrado e até algum desgosto, que a oposição não trabalhava, não pensava, era preguiçosa. Mal nem ele sabia (ou sabia!) que o pior estava a caminho: actualmente ninguém trabalha, e ninguém pensa, tanto na oposição como no poder (apesar de este ser pago para tal).

Os desvarios conduzem sempre à desgraça. Esta espécie de oposição já é uma desgraça. Mas terá vida curta. Falta pouco para o Zé e a Maria dizerem chega. É a vida!

Há vidas piores. Pois há…! 

Canções de Abril #19

 


“O que Faz Falta” é uma canção do álbum Coro dos Tribunais, com temas compostos antes do 25 Abril mas gravado no final de 1974, em Londres, já sem o aval da censura prévia. Todo o álbum corresponde a uma forte linha de intervenção e de desencanto em relação às falsas ilusões geradas pela designada primavera marcelista.

O Zeca gostava muito desta canção (mais do que do Grândola, que pelas razões conhecidas e desconhecidas se tornou celebre), talvez pela forte mensagem de mobilização popular que ela encerra. Interpretou-a pela primeira vez, antes da revolução do 25 de Abril, para um grupo de trabalhadores que se encontravam em protesto contra o lock-out promovido pelo patrão de uma fábrica. E, segundo José Jorge Letria, teria gostado de fechar o I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa, a 29 de Março de 74, no Coliseu dos Recreios, onde esteve toda a geração de músicos de intervenção, com “O Que Faz Falta” ou “Venham mais Cinco” se a censura não as tivesse retalhado e cortado aos pedaços. Acabou por escolher o “Grândola Vila Morena”, que foi cantada em coro por todos os músicos e pelo público.   

Naquela época como agora,

“O que faz falta é avisar a malta

O que faz falta

O que faz falta é dar poder a malta

O que faz falta”.

18 de abril de 2024

Canções de Abril #18

Em 1971 foram publicados cinco dos mais importantes álbuns da música portuguesa: “Cantigas do Maio”, de José Afonso, “Os Sobreviventes”, de Sérgio Godinho, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades,” de José Mário Branco, gravados em França, e “Gente de Aqui e de Agora”, de Adriano Correia de Oliveira e “Movimento Perpétuo”, de Carlos Paredes, gravados em Portugal. Uma verdadeira revolução no panorama musical português. Para além disso, 1971 foi também o ano do primeiro Festival de Jazz de Cascais e do Festival de Vilar de Mouros. O ambiente era propício ao florescimento de ideias de mudança.

Por estratégia comercial da editora Sassetti, o álbum de Sérgio Godinho foi apenas lançado em 1972, evitando competir com trabalho de José Mário Branco (da mesma editora). O sucesso de “Os Sobreviventes” foi imediato, recebendo o Prémio da Imprensa, em 1972, e o Prémio Bordalo, entregue pela Casa da Imprensa, em 1973. “Que força é essa?”, a canção de abertura, é um apelo à consciencialização e à revolta dos trabalhadores injustiçados. Inspirado na situação dos emigrantes portugueses em França, Sérgio Godinho dirigia sua mensagem aos que viviam em Portugal sob o domínio da ditadura, enfrentando condições de trabalho mais adversas e com menos direitos laborais. O disco foi proibido pela Censura três dias após o lançamento.

Mais de cinquenta anos depois, esta música permanece como o hino dos que se recusam a aceitar as injustiças e se insurgem contra a submissão à ordem de obedecer e calar. A prova está nesta versão dos Clã, Filipe Sambado e Cláudia Pascoal, apresentada no Festival da Canção de 2021.

17 de abril de 2024

Canções de Abril #17

 


Pedra Filosofal, porventura por ser a mais ternurenta das canções de intervenção, tornou-se rapidamente uma espécie de hino de resistência contra a ditadura. Manuel Freire aproveitou a musicalidade do poema com o mesmo nome, de António Gedeão, publicado no livro Movimento Perpétuo, em 1956, para criar, em 1970, uma canção que entrou definitivamente na memória auditiva das pessoas e o catapultou para a fama depois da sua participação no popular programa de variedades Zip-Zip. 

O poema de António Gedeão é uma ode ao sonho como força de transformação pessoal e da realidade. A repetição dos versos 

“Eles não sabem nem sonham 
Que o sonho comanda a vida.”

reforça a ideia de que muitos não reconhecem o poder dos sonhos. No entanto, a música celebra aqueles que compreendem 

“que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança, 
como bola colorida 
entre as mãos de uma criança”.

Os ditadores não gostam de sonhos, mas para desgosto seu não os conseguem proibir. Manuel Freire, com a sua voz profunda e timbrada, acompanhado pela melódica sonoridade da viola, deu corpo e força ao sonho de mudança - coloco-o na mente das pessoas.